requalificação da praça clóvis beviláqua e do largo do carmo

 

Proposta vencedora do concurso internacional Reinventing Cities São Paulo, promovido pela Prefeitura Municipal de São Paulo e pela C40 Cities.

 

https://prefeitura.sp.gov.br/web/sp_urbanismo/w/328335

 

https://www.c40reinventingcities.org/en/professionals/winning-projects/filter-sao-paulo/

 

O Concurso Reinventing Cities em São Paulo, realizado em 2022, foi uma iniciativa internacional promovida pela C40 Cities, uma rede global de cidades comprometidas com o combate às mudanças climáticas. Esse concurso buscou selecionar projetos inovadores e sustentáveis para a revitalização de áreas urbanas de diferentes cidades do mundo, incluindo São Paulo.

 

Em São Paulo, o concurso focou em 04 áreas específicas da cidade, oferecendo oportunidades para que desenvolvedores urbanos, arquitetos e designers propusessem soluções que transformassem essas regiões em locais mais sustentáveis, inclusivos e resilientes.

 

praça clóvis beviláqua ou largo do carmo,
uma questão de identidade

 

O Largo do Carmo era, no século XVIII, uma vasta esplanada ladeada por algum tipo de contensão. Ali ficavam a Igreja e o Convento de Nossa Senhora do Carmo, datados de 1594, e a Igreja da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo, de 1775. Além disso, ainda até o início do século XX, o Largo do Carmo possuía um chafariz que abastecia de água as redondezas.

 

Em 1927, a Igreja do convento foi reformada e recebeu uma torre, mas em 1928, o Convento e a Igreja do Carmo foram demolidos para a abertura e alargamento da Avenida Rangel Pestana e da construção da Secretaria da Fazenda. Esse alargamento fez desaparecer a parte frontal do Largo do Carmo.

 

Com o processo de metropolização da cidade de São Paulo, nasce, em frente ao Palácio da Justiça, a Praça Clóvis Beviláqua. Espaço que se transforma quase que imediatamente em um grande terminal a céu aberto, recebendo grande parte das pessoas que chegavam ao centro, ou partiam dali.

 

Multidões desembarcavam ou esperavam o bonde ou o ônibus na Praça Clóvis. Essa grande concentração de gente era um atrativo para os batedores de carteiras, a fama até virou samba na letra de Paulo Vanzolini.

 

Na praça Clóvis
Minha carteira foi batida
Tinha vinte e cinco cruzeiros
E o teu retrato
vinte e cinco
Eu, francamente, achei barato
Prá me livrarem
Do meu atraso de vida

 

A chegada do metrô, na década de 1970, gera uma das maiores transformações urbanas recentes da região central. A nova Praça da Sé engole quarteirões e quase que toda a Praça Clovis. O que ficou foi o LARGO, que manteve o nome, mas agora cortado pela rua Rua Anita Garibaldi, gerando dois vazios com vidas e escalas próprias.

 

o poupatempo e a sobrevida do largo clóvis beviláqua

 

Com a inauguração do Poupatempo Sé em 1997, no embasamento da Secretaria da Fazenda, gera uma sobrevida fundamental para o LARGO. Este importantíssimo equipamento de atendimento público gerou grande dinâmica urbana ao escolher, ao invés do acesso principal na Av. Rangel Pestana, uma entrada posterior, voltada para a Rua do Carmo. O próprio Poupatempo atribui seu endereço como Largo do Carmo s/n.

 

Para o desenvolvimento de um projeto de requalificação, a questão de identidade é importante. Independente dos nomes, compreender as transformações do centro de São Paulo contribui para a qualificar o tecido urbano, valorizando, ou revalorizando, a identidade dos lugares.

 

estratégias para um desenho urbano

 

limites, fluxos e acontecimentos: três questões fundamentais

 

O espaço e seus limites: Consideramos essencial para constituir um lugar a configuração de seu espaço. Ele deve possuir uma delimitação clara, limites precisos. É necessário saber quando você está dentro e quando você está fora. Os limites de um espaço urbano não são barreiras, são artifícios de projeto utilizados a favor da hierarquia e qualificação das cidades. Nesse sentido, a proposta idealiza um espaço não restritivo, mas cujos limites sejam fáceis identificar. Busca-se um espaço aberto ao uso, ao estímulo e aos acontecimentos cotidianos.

 

Fluxos e movimentos: “Movimento” é uma ação ou processo de deslocamento. Os espaços públicos devem receber constantemente a interação dos usuários através da presença dinâmica inevitável. São corpos que se lançam de maneira quase aleatória, que muitas vezes entram em conflito com as regras estabelecidas por alguns tipos de desenho urbano. Os fluxos precisam ser acolhidos e distribuídos, o espaço público deve saber lidar com a lógica da mecânica dos fluídos.

 

Acontecimentos: Incidentes, fatos, detalhes particulares de um programa de necessidades. Os acontecimentos podem abarcar eventos individuais, funções singulares, atividades isoladas ou momentos de emoção. Os acontecimentos possuem uma existência independente que lhes é característica. Raras vezes são simples consequências do seu entorno.

 

história e evolução urbana

 

O perímetro de intervenção deste concurso, atualmente denominado Praça Clóvis Beviláqua, teve como marco ordenador o Convento e Igreja do Carmo (1591).

 

O conjunto arquitetônico estava estrategicamente localizado no promontório ao lado de uma depressão abrupta que levaria o seu nome, Ladeira do Carmo. Por ali passava quem se dirigia ao Caminho do Brás e tinha como destino, provavelmente, o Vale do Paraíba e o Rio de Janeiro. Dali podia se ter uma belíssima vista de toda a Várzea do Carmo. (Imagem 01, Debret, 1827).

 

A Praça Clovis Beviláqua original, hoje, faz parte do que chamamos Praça da Sé. Desenhada como jardim frontal do Palácio da Justiça está localizada entre as Ruas do Carmo, Anita Garibaldi, Roberto Simonsen e a Avenida Rangel Pestana, na Sé. (Imagem 02, Hildergard Rosenthal, c. 1940).

 

A atual configuração do principal setor de intervenção nada mais é do que a retificação da Rua Anita Garibaldi o que gerou um esgarçamento e a configuração atual do que deveria ser chamado de Largo Clóvis Bevilacqua.

 

Com a construção do metrô e da atual praça da Sé, as duas praças se unificam para dar lugar a uma nova Praça da Sé, e o fragmento da antiga Praça Clovis, dívida pela Rua Anita Garibaldi, agora se isola em uma configuração que acaba assumindo um isolamento físico e visual da Praça da Sé.

 

considerações relevantes sobre a igreja da terceira ordem do carmo

 

A edificação atual foi erguida em taipa de pilão, entre 1747 e 1758. Entre 1772 e 1802, foi ampliada e ganhou um novo frontispício, executado por Joaquim Pinto de Oliveira, conhecido como “mulato Tebas”, escravo que trabalhara com o feitor e mestre-de-obras Bento de Oliveira Lima, responsável por outras obras da arquitetura religiosa da São Paulo colonial.

 

Em 1929, o templo passou por uma ampla reforma, sendo parcialmente reconstruído. Apesar da reforma, ainda podemos apreciar os ornamentos e os arcos de pedra da fachada que são da autoria de Tebas. Nesse mesmo período, com a abertura e alargamento da Av. Rangel Pestana, a antiga declividade da Ladeira do Carmo foi suavizada o que gerou o rebaixamento da cota da cidade ao redor da Igreja.

 

Este ajuste pode ser visto hoje na contenção necessária na frente da Igreja onde teve que ser adaptada uma escadaria lateral que dá acesso a atual varanda.

 

Sara Brasil (1930) Da área em questão, apenas a Rua Roberto Simonsen, a Rua do Carmo e a Rua Silveira Martins existiam. A Av. Rangel Pestana tinha acabado de ser aberta e o Largo do Carmo desaparece.

 

VASP Cruzeiro (1940) A Rua Anita Garibaldi é retificada e se conecta ao início da Av. Rangel Pestana, dessa forma, para que desce a caminho da Várzea do Glicério, do lado esquerdo se configura a Praça Clóvis. A direita, se criam duas pracinhas que fazem parte central da intervenção em questão.

 

GEGRAN (1975) Surge a nova Praça da Sé, que engole a antiga Praça Clóvis, o largo lateral muda novamente de desenho. Se trata de uma transformação radical do marco zero da cidade.

 

GEOSAMPA (2000) Nesta última base cartográfica temos a atual configuração da área de intervenção. A Praça consolidada principalmente pelo fato da implantação do Poupatempo em 1997. Existe um alargamento de vias tanto no trecho da Rua Anita Garibaldi como da Av. Rangel Pestana.

 

síntese e estratégia de intervenção

 

Analisando-se o tecido urbano, é possível identificar algumas questões importantes a serem consideradas para a formulação da proposta.

 

[A] A identificação do fluxo intenso dos ônibus nas avenidas Anita Garibaldi e Rangel Pestana. Há uma parada de ônibus localizada na área de intervenção que se encontra subdimensionado;

 

[B] O trânsito acentuado de pessoas provenientes dos acessos da estação Sé de metrô, cujo destino principal é a unidade do Poupatempo. Isso resulta em travessias em locais inadequados, fora das faixas de pedestres semaforizadas, o que aumenta o risco de acidentes;

 

[C] O formato do canteiro principal gera estreitamento das áreas de circulação dos pedestres, principalmente na área próxima ao abrigo de ônibus e no passeio da Av. Anita Garibaldi;

 

[D] Potencialidades em áreas contíguas, que podem favorecer a fruição urbana.

 

conceito de projeto

 

Além das 10 abordagens e design para os espaços públicos verdes e prósperos definidas pelo C40 / Reinventing Cities, o projeto está baseado em questões que favorecem a fruição urbana, a segurança dos pedestres, as áreas de permanência, as conexões urbanas e a relação visual entre as duas porções da praça segmentada pela Av. Anita Garibaldi, sem desrespeitar as questões relacionadas ao tombamento histórico. Como ponto de partida, valoriza-se as áreas de circulação, aumentando as dimensões destinadas aos pedestres.

 

Com isso, o canteiro central foi redesenhado para proporcionar maior fluidez, criando um passeio por entre a vegetação existente, sendo que, a cota mais alta do canteiro, agora caminhável, proporciona novas visuais da praça e dos edifícios ao seu redor. Apoiado na topografia, uma arquibancada foi criada com o intuito de proporcionar áreas de permanência. Com o novo desenho circular do canteiro principal, os demais canteiros e as possíveis áreas ajardinadas contíguas também ganhariam forma similar.

 

paisagismo

 

A praça já possui boa arborização que propicia áreas sombreadas confortáveis para permanência das pessoas, portanto, o novo desenho do canteiro principal foi definido de forma a se preservar o maior número possível de arvores. Também propomos novos pontos de arborização, principalmente na Rua Roberto Simonsen e Rua Silveira Martins.

 

A infraestrutura verde tem o potencial de influenciar o microclima, a qualidade do ar, a permeabilidade do solo e a biodiversidade, além de embelezamento paisagístico do local, orientando-se pelos planos vigentes de arborização e privilegiando espécies nativas da Mata Atlântica.

 

mobiliário urbano

 

Foram criados pequenos polos de atração do público na praça com auxílio da locação do mobiliário urbano, no eixo da Rua do Carmo, no acesso da praça ao lado do Comando do Corpo de Bombeiros e na esquina da Rua Silveira Martins. Quiosques, sanitários, bebedouros e bancos fornecem os serviços necessários para a população.

 

Bicicletários, sistemas de bicicletas compartilhadas, assim como áreas para locação de feiras itinerantes, com fornecimento de água e eletricidade, também foram consideradas. Bancos lineares moldados in loco contornam os canteiros propiciando descanso em áreas agradáveis e sombreadas. O ponto de ônibus foi mantido no mesmo local, porém sua dimensão foi ampliada, para atender adequadamente a demanda atual.

 

iluminação pública

 

A iluminação foi pensada de modo a melhorar a qualidade de vida das pessoas que utilizam a praça, criando ruas convidativas e seguras.

 

Optou-se em utilizar postes metálicos de 5 a 10m de altura com iluminação de LED em conjunto ao reposicionamento e readequação das luminárias ornamentais da Light, para redução do consumo de energia.

 

Quanto ao posicionamento, o projeto prevê cobertura luminosa de maneira uniforme de toda a área do perímetro, com atenção redobrada em pontos de conflito – como cruzamentos, travessias de pedestres e ciclistas – sem entrar em conflito com a arborização, evitando sombreamento.

 

Também foi previsto a instalação de dispositivos de vigilância para fiscalizar os limites de velocidade e inibir a criminalidade no local.

 

fluxos e ocupação

 

Como a forma de ocupar o espaço é o que dá sentido ao lugar, a praça foi desenhada considerando o cenário de movimento/passagem e, também, o de permanência/lazer.

 

Ao analisar os fluxos, propõe-se soluções que possam agilizar o percurso e assegurar os pedestres e ciclistas; para a permanência e ocupação, foram remodeladas paisagens democráticas a partir do potencial da área, que, junto aos mobiliários urbanos, conformam espaços públicos flexíveis e de qualidade.

 

A iniciativa de fortalecer os fluxos, incentivar a permanência das pessoas e a multiplicidade de usos conforma a Rua Roberto Simonsen como catalizador da região, contribuindo para a reativação e a vitalidade dessa área.

 

Ficha Técnica

 

projeto: Revitalização da Praça Clóvis Beviláqua e do Largo do Carmo
local: Sé, São Paulo – SP
data: 11/2022
área de intervenção: 24.000 m²

 

autores:

 

​Mario Figueroa
Glória Cabral
Erick Vicente
Kelly Bozzato

 

colaboradores:​

 

Daniel Maioli
Gustavo Bondezan
Camila Rocco
Fábio Burgos
Rafaela Miranda
Daniel Picolotto
Mariana Gonzales
Kamila Do Rocio

 

​Imagens 3D:

Carlos Garcia​

 

​mobilidade:

Maria Tereza Diniz

 

traçado viário:

Joyce Lopes da Silva

 

geometria, drenagem e pavimentação:

H Proj Planejamento e Projetos

 

​sinalização viária:

Paloma do Espírito Santo
Joyce Lopes da Silva

 

​paisagismo:

Cabvidrih & Horiye Engenharia e Meio Ambiente
Cláudio Vidrih
Nadia Horiye

 

​elétrica e hidráulica:

Horizon Engenharia de projetos
Yuri Schmidt Krubniki
Rafael Martins de Carvalho

 

​estrutura de elementos:

Baraúna projetos e soluções estruturais
Cladilson Nardino
José Carlos Gomes Filho

orçamento e cronograma físico financeiro:
Luiza Lacerda Zaidan

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Data:
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